sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sempre

...seu olhar foi ficando embaçado pelo desespero que o tomava conta e, aos poucos, voltando ao normal. Do alto, a calçada se aproximava com extrema velocidade. Estava numa corrida tétrica, apostando sua chegada ao chão contra as primeiras gotas de garoa. Uma explosão de dor agonizante que duraria por pouco tempo - pensava.

Parou.

Levantou a cabeça e olhou para os lados. O que estava a sua volta tinha congelado como numa fotografia antiga, desbotada pelo tempo. Foi clareando e tornando visível a cidade cinza. Os edifícios e as ruas e as pessoas perdidas que caminhavam como sombras caladas continuavam. Sempre continuariam não importando o que acontecesse.

Sua única saída, naquele momento, seria caminhar.

Parou na esquina.

Ninguém por perto. Quase silêncio.

Apenas o som dos galhos farfalhando na rua agora deserta, despejando lamentos em sua mente corroída por um passado incerto e sem solução.

Continuou andando cabisbaixo pela calçada. Não pensava em nada. Observava seus pés movendo-se num fluxo contínuo, seguindo sempre a mesma linha de ladrilhos.

Perturbado.

Encosta num poste. A respiração pesada. A cabeça pesada.

Num gesto mecânico puxa o cigarro do bolso. Acende. Tenta relaxar. Não consegue.

Está tenso e nem sabe o motivo. Se distrai observando a fumaça que se evola preguiçosamente pelo ar. Tenta gritar. A voz não obedece.

Sussurra:

- ...

Gosto cinza na boca.

As pessoas que há pouco tempo se encontravam vagando pelas ruelas encardidas, agora seguem outro caminho. Como se já previssem o que iria acontecer. Estavam fugindo do inevitável...

A queda gera um.

Grito vindo de baixo. E depois um.

Som seco. Também vindo de baixo.

Corpo no chão. Calçada vermelha.

Rostos curiosos aparecem nas janelas dos prédios. Feições apavoradas. Fazem o sinal da cruz em sincronia.

“Ai Jesus. Se jogou... o pobre diabo.”

Ainda encostado no poste. Finge não ligar. Mas é curioso. A morte é curiosa. Sai para ver os detalhes. Olha o sujeito com estranheza, parecendo-lhe familiar. Fica estático, sem reação.

A lágrima tenta cair ao chão.

Mas flutua, volta aos olhos.

Muda-se a cor. Escorre sangue.

A dor agora lacrimeja.

Caos da agonia interna.

Pobre existência.

Vira as costas ao corpo. Tenta pensar em algo belo, mas é incapaz. Incapaz de tudo, exceto uma única coisa.

No alto do prédio, novo adeus. Um curto passo em falso e...



A. Michalzechen

Nenhum comentário:

Postar um comentário