quinta-feira, 2 de junho de 2011

Nuvem

Não dormiu, ou, se dormiu, foi muito pouco e muito mal, disso o(a) leitor(a) pode ter certeza.
Se vestiu e saiu de casa. Ainda estava muito escuro, e, seja por sorte ou por azar, estava tão frio que o ar da respiração quando expelido se condensava muito mais que o de costume; o que talvez fosse um tanto agradável, pois combinava com a neblina que pairava sobre a cidade.
Entrou em uma padaria relativamente simples, ou melhor; verdadeiramente simples. Como muitas outras, tudo o que encontrou nesta foram pessoas doentes, entristecidas possivelmente mais que ele próprio, alguns maltrapilhos tentando fugir do frio, uns trabalhadores cansados e um bêbado procurando se curar da ressaca da última noitada. Pediu um pão e um café para a viagem; não poderia aguentar todo aquele falatório, uma vez que de queixas, bastavam as dele mesmo.
Foi até o banco público que mais lhe conveio. Comeu e bebeu. E, enquanto o fazia, notava a mediocridade dos homens e a ferocidade com que os afazeres do quotidiano abocanham a vida de todos nós (ou ao menos de quase todos nós).
O dia começava a clarear quando terminou de comer. De qualquer modo, não havia muita luz; a névoa era muito espessa. Tanto que praticamente não era possível ver o topo dos prédios mais próximos e tão pouco dos distantes.
Caminhou até uma praça. No caminho topou com mais mendigos, putas, doentes e trabalhadores. Porém, desta vez viu ainda estudantes e repugnantes madames habitantes dos apartamentos e casas mais luxuosos da região a passear com seus caríssimos e pequenos cães de raça - provavelmente de alguns nomes alemães curiosos. Destas pessoas sentiu maior sentimento de repulsa do que das prostitutas imundas.
Ele se encontrava irritado e um tanto cabisbaixo, mas não poderia precisar o motivo de tais angústias caso lhe perguntassem - o que seria completamente improvável, já que ele cobrava de si mesmo ótima dissimulação dos sentimentos, visando aparentar estar bem, da mesma forma como você leitor(a), estou quase certo, faz constantemente. Entretanto o clima frio o agradava (ou aparentava apaziguá-lo pelo menos), assim como a paisagem tipicamente outonal; algumas poucas árvores mudando de cor em meio a pinheiros, araucárias e palmeiras. Estas árvores caducifólias... Com suas folhas apodrecendo no gramado, na calçada e nas ruas, quando não ainda presas à própria árvore.
O tráfego aumentara consideravelmente desde a hora em que saíra de casa (se é que podia chamar aquele lugar de casa).
A fumaça que saía de sua boca e turvava sua visão o distraia por alguns instantes. Era também esta sua única forma de tentar não pensar nos problemas que precisava resolver. Mas, ao passo que a fumaça se dissipava e desaparecia, seus problemas seus pensamentos desagradáveis surgiam. Provou-se assim, que sua distração era deveras ineficaz.