terça-feira, 3 de abril de 2012

Encasulada

Dizem que os opostos se atraem. É mentira.
Havia um garoto chamado Eduardo que era bom em algumas coisas, mas não em tudo, falava bastante, não era do tipo mudo. Havia uma garota chamada Camila que era boa em algumas coisas, boa na maioria das coisas, mas em outras ficava confusa.

Num dia quente, provavelmente com chuva, não temos certeza, eles se conheceram. Se olharam e ambos pensaram: "Nossa, que babaca aí na minha frente." Entretanto sorriram e foram embora. Talvez Eduardo tivesse pensado alguma outra coisa, possivelmente envolvendo cerveja.

Dias se passaram e contra suas vontades, tiveram que conviver. A aversão mútua hora crescia, hora se apagava. Muito mais por parte de Eduardo, ele era instável. Muitas pessoas reclamavam disso na verdade.
Já Camila era mais estável (bem mais), porém - sempre os poréns - era um tanto tímida. De qualquer maneira, todos contornavam isso, ou simplesmente a contornavam e prosseguiam. Esse tipo de atitude alheia foi o que encasulou Camila por alguns anos, até que ela se tornasse esquiva. O mesmo acontecera com Eduardo, certamente por motivos diferentes, mas em alguma parte do processo, alguém acidentalmente quebrou seu casulo.

Mais algumas semanas, cada vez mais curtas, se passaram, e Eduardo pensou em não pensar. Não conseguiu. Camila, por outro lado, pensava em pensar, e apenas nisso. Ela tinha medo de não pensar, assim como você leitor provavelmente também teme. Eduardo já fora como Camila, mesmo sem querer (e quem é que pode afirmar que Camila queria isso?), mas se transviara. Uma pena, talvez - depende do ponto de vista.

Mais algumas noites vieram e se foram, e Camila começou a não pensar, mas ficou com medo e logo tratou de ser esquiva; desviava habilmente da ausência de pensamento. Eduardo pensava cada vez menos. As coisas não batiam. Eles se olharam algumas vezes mais - nota-se que Eduardo olhou mais -, e não pensavam mais o mesmo que no início, sequer pensavam. Isso os incomodava ou os assustava, eles também não tinham certeza. A única certeza é que então, ambos se olhavam. Apenas se olhavam, e tudo o que havia era a imagem um do outro expressa em suas pupilas.

Seis dias depois, Camila resolveu ser mais Camila do que de costume; esquivava-se melhor.

Eduardo me contou isso. Prometi que não escreveria nada sobre o assunto, mas cá estou eu, contanto estórias distorcidas, cheias de subjetividades e comentários de outros que já estão sabendo do que Eduardo me contou.

Certa hora Camila começa a sair de cena. E tudo nos leva a crer que esta hora é agora. À noite todos saem de cena, só restam os gatos pulando de muro em muro e os bêbados sentados em meios-fios com suas garrafas de cachaça. A debandada do palco, o apagar de luzes momentâneo só faz Eduardo pensar que ele sempre viu Camila de perfil, nunca de frente mostrando um sorriso singelo. Camila virou uma silhueta virada de lado, num retrato quadrado, fora de cena, fora do teatro da cabeça de Eduardo, que outra vez acordou de um sonho. Calado.