terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Águas

Existem pessoas que caracterizam a água como um elemento de leveza, de tranquilidade; um elemento com conotação pueril. De tão pura, se tornou símbolo religioso de nova vida no cristianismo. Enfim; as águas renovam.
Me soa conveniente refletir sobre a água (elemento muito propício à reflexão, tanto fisicamente como internamente, isto é, uma reflexão do fundo de nossa consciência).

Desde criança a água se apresenta com frequência em minhas memórias; das mais banais às mais doces, das mais importantes às mais amargas, e o resultado, é claro, é a pura nostalgia. Nostalgia... Tão constante em minhas lembranças como a água. Hoje, como de praxe, estive um tanto nostálgico. Pensei nas relação quase que simbólica das últimas semanas com os últimos anos; uma relação instríseca, uma relação húmida.
À tarde, estava eu a ler não muito enfadonhamente Memórias Póstumas de Brás Cubas, na varanda ao som da chuva e ao soprar da brisa. Enquanto lia, me sentia tão inerte, passivo, sereno. Lembrei-me de coisas como o parque Barigüi (que aliás está sendo castigado pelas próprias águas somadas às da chuva quase incessante) e outras coisas diversas que dizem respeito ao meu passado.
Por falar nesta chuva incessante que vem castigando Curitiba, arrisco dizer que o parque Barigüi e eu estamos passando pela mesma situação: as águas dos últimos dias estão a nos lavar em seu frescor aterrorizante e hipnotizante, elas predizem a mudança em cada gota, e, embora não seja aparente, estão nos limpando e nos livrando das roupagens antigas. Além de destruir, a água refresca, mas muitos não se contentam com o gosto simples da água; acrescentam sabores tais como os dos chás. Chás que deixam suas excências sangrarem para serem dissolvidas e acalmadas pelas águas para que se obtenha um paladar agradável, semelhantes às memórias que se deixam dissolver para que se obtenha um espírito mais puro e mais agradável. Ah, nada como boas memórias dissolvidas!

Um comentário:

  1. Memórias dissolvidas lembram, para mim, águas turvas de rios pacatos, porém quando os adentramos, cortamos os pés nas pedras do fundo. Às vezes o que recordamos como algo bom, torna-se terrível quando olhamos mais profundamente... Alguém que se foi, uma palavra dita na hora errada.
    Memórias como águas, a vida como o mar, onde os rios encontram seu fim.

    ResponderExcluir